Fome se vai, mas perspectiva não chega

17/01/2013 11:30

 

Vida na cidade onde programa Fome Zero foi lançado há dez anos melhora, mas dependência do governo federal e da prefeitura é total.

 

14/01/2013

Guaribas vive do passado. Não de glórias esquecidas, mas de promessas pela metade, feitas quando, no dia 3 de fevereiro de 2003, um grupo de ministros do então governo Lula desembarcou na cidade planejando resolver a vida daquela gente que apenas sobrevivia. Dez anos depois, o que sobrou do programa Fome Zero na cidade que foi o seu símbolo são as centenas de famílias que saíram da miséria absoluta para a pobreza sustentada pelo Bolsa Família ou pelas aposentadorias rurais.

O tempo das visitas de ministros e governadores passou e a população castigada pela seca retomou seu caminho: a estrada para São Paulo para melhorar de vida.

Não há quem não diga que a cidade não melhorou de 2003 para cá. Hoje há água encanada. Quatro ruas ganharam calçamento. A praça tem bancos de cimento. Há agências do Banco do Brasil, dos Correios e do Banco do Nordeste. Há uma unidade de saúde básica, com quatro enfermeiros, mas sem médico. Há mais escolas, inclusive de ensino médio. A miséria, porém, não deixou o local.

Na cidade, a maior renda é a dos aposentados, que ganham mais do que os beneficiários do Bolsa Família. Há gente que tenta de todas as formas arrumar um atestado médico para se aposentar antes da hora. Quem não consegue pede ajuda aos velhinhos da família. Dona Wilsa Maria, 78 anos, ajuda a sustentar 16 pessoas na sua casa. "Como vou ver meus filhos passando necessidade?", pergunta.

Indicadores. Alguns indicadores de Guaribas melhoraram consideravelmente desde o início dos programas de combate à pobreza. É o caso da mortalidade infantil, que no período caiu de 30,3 para 22,2 para cada mil crianças nascidas vivas. A taxa de analfabetismo também caiu: foi de 59% para 36%. Mas questões estruturais não foram resolvidas. Dos 4.401 moradores da cidade, 87% são atendidos pelo programa Bolsa Família.

"O Bolsa Família é essencial para esse povo porque não tem outra renda. As coisas melhoraram, mas não tem emprego. A gente faz o que pode, mas não tem milagre. A verdade é que continuamos pobres e esquecidos", diz Edmilson Maia, assessor especial da Prefeitura de Guaribas, ex-secretário municipal de administração e porta-voz do atual prefeito, Claudinê Matias, que, recém-eleito, demonstra saber muito pouco sobre a cidade que vai administrar.

Dependência. A crônica falta de emprego deixa Guaribas em situação de dependência absoluta. Praticamente todo o orçamento da prefeitura, de R$ 8 milhões, depende das transferências do Fundo de Participação dos Municípios, do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e de outros programas federais. Não há nenhuma receita própria e o ICMS transferido pelo Estado não chega a R$ 60 mil. A prefeitura é a maior empregadora, mas tem pouco mais de 200 funcionários. Não há família que não tenha visto pelo menos um integrante migrar para São Paulo.

Gildeci Simões Aires, 47 anos, e seu marido, Rodolfo Rocha, 63, têm dois filhos que foram embora por falta de emprego. A família não tem nenhum programa social porque Rodolfo é funcionário da prefeitura. "Metade do pessoal daqui está em São Paulo. Tem que se ir pelo mundo, porque emprego não tem. Não se morre de fome, mas expectativa não tem", conta Gildeci. "Na época que lançaram o programa até apareceu um empreguinho, mas agora não tem mais". De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia, Guaribas perdeu mais de 500 habitantes nos últimos 10 anos.

Abandono. O número daqueles que passam uma temporada fora e voltam é ainda maior. Otaviano Neto, 24 anos, chegara fazia uma semana, depois de passar oito meses em São Paulo. Sua família, que possui uma pensão e restaurante hoje praticamente abandonados, foi diretamente atingida pelo mundo de promessas que cercou a chegada do Fome Zero. Em 2006, ela investiu R$ 1,1 mil em equipamentos para montar um restaurante self-service. Funcionários da Empresa de Gestão de Recursos do Piauí (Emgerpi) e de outros órgãos do governo iam com frequência à cidade e contratavam a comida no pequeno restaurante. Hoje, o equipamento está jogado no quintal da casa. "Tem muita gente que abriu e teve que fechar negócio. Lanchonete, churrascaria. Acharam que a cidade ia andar, mas não funcionou", conta.

Nos dois últimos anos, apesar das pequenas mudanças, Guaribas parece ainda mais abandonada. O escritório da Emgerpi, aberto na cidade pelo então governador Wellington Dias (PT), foi fechado pelo atual, Wilson Martins (PSB), que só apareceu na cidade uma vez, ainda em campanha. A estrada que leva à cidade, como há 10 anos, ainda não merece esse nome - é mais uma trilha que impede até mesmo a chegada de uma linha regular de ônibus. Depois de 10 anos, Guaribas deixou as manchetes de jornal e voltou para seu lugar, entre as centenas de cidades pobres e esquecidas do Brasil.

Fonte: Estadão (Política)

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