Júri popular condena um dos acusados pela morte de liderança quilombola no Vale do Ribeira/SP

26/06/2013 10:48
Laurindo Gomes (Foto de Maria Dolores Rubio -Titi)

Laurindo Gomes (Foto de Maria Dolores Rubio -Titi)

Uma ode para Laurindo

(…)
Pensam que calam um grito
Pensam que a luta se finda.
Vejam, o rio está bonito!
Vejam que roça mais linda!

Vejam que nascem outras ramas
Quando a esperança está indo
Vejam que ardem mil chamas…
Quem acendeu, foi Laurindo?

 Júlio Cesar da Costa - Na Ribeira da Poesia

O júri popular da Comarca de Eldorado/SP condenou, no dia 24 de abril de 2013, Sidnei Miranda, pela morte da liderança quilombola Laurindo Gomes. Na manhã do dia 18 de fevereiro de 2011, Laurindo saiu de sua casa, localizada no Quilombo de Praia Grande, Iporanga/SP, para ir ao centro da cidade, onde haveria uma mobilização pela instauração de uma CPI em face do então prefeito municipal, e desde então nunca mais foi visto.

De início o caso fora tratado como mero desaparecimento. No entanto, a comunidade de Praia Grande, as lideranças quilombolas da região e as entidades de apoio logo denunciaram que não se tratava de simples sumiço, mas que, certamente, Laurindo havia sido vítima de um crime, cuja motivação só poderia ser a luta pela garantia do território quilombola. Decorridos cerca de três meses do fato e após intensa pressão o Ministério Público da Comarca de Eldorado/SP requisitou a instauração de Inquérito Policial.

A comunidade de Praia Grande é oficialmente reconhecida como remanescente de quilombo, conforme Relatório Técnico Científico produzido pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo no ano de 2002. Não obstante o reconhecimento e a delimitação do território quilombola, o Estado não promoveu nenhuma ação para que houvesse a desintrusão e titulação da área. Essa situação, conforme já denunciado pelo movimento quilombola do Vale do Ribeira, ocasionou certo descrédito quanto ao direito à terra, fomentando a compra e venda de áreas no interior do território. Em alguns casos, inclusive, isso ocorria por intermédio de “laranjas”, que serviam às pretensões de políticos locais.

Laurindo Gomes atuava intensamente pela melhoria das condições de vida de sua comunidade, exigindo a efetivação de políticas públicas e, sobretudo, buscando coibir a comercialização ilegal das terras do Quilombo. Em razão disso, representava um importante obstáculo aos interesses escusos daqueles que se valiam da inércia estatal para, mais uma vez, arrancar aquele povo do seu lugar.

Como já se previa, durante as investigações apurou-se que Laurindo fora vítima de homicídio, recaindo a suspeita de autoria sobre Sidnei Miranda e Ubiratan Castelo Branco, mais conhecido como Bira, resultando no oferecimento de denúncia pelo Ministério Público atuante na Comarca de Eldorado/SP. De acordo com a peça acusatória, no momento da travessia do Rio Ribeira de Iguape (único acesso do quilombo), Sidnei e Bira, barqueiro da comunidade, surpreenderam Laurindo, acertando-o com uma paulada na parte de trás da cabeça e o levaram para um local no interior da mata, onde ficou amarrado por horas. No final do mesmo dia, Sidnei voltou ao local e, brutalmente, tirou a vida de Laurindo Gomes. O corpo de Laurindo foi ocultado com o objetivo de dificultar a descoberta do crime, e até o momento não foi localizado.

No curso das investigações vieram ainda aos autos informações de que Sidnei e Bira seriam apenas os executores do crime e que Laurindo teria tido sua morte “encomendada”. Apesar da existência de suspeitas, esclareceu o Promotor de Justiça, Nilton de Oliveira Mello Neto, durante o plenário do júri, que os elementos não foram suficientes para formalizar a acusação com relação a eventual mandante.

Nesse sentido, causa estranheza a tese sustentada pelo advogado constituído por Sidnei, na ocasião dos debates das partes, em plenário do júri, bem como nas razões do recurso interposto posteriormente. De fato, a defesa, em argumentação vazia, pobre e leviana, porque destituída de qualquer fundamento nas provas dos autos, alegou que a acusação foi arquitetada por grupos de “esquerda”, representados por lideranças de movimentos como o MOAB (Movimento dos Ameaçados por Barragens), Movimento dos Sem-terra e Partido dos Trabalhadores, entre outros, atacando, ostensivamente, a advogada e militante dos direitos quilombolas Maria Sueli Berlanga, há mais de vinte e cinco anos no Vale do Ribeira e que, diga-se de passagem, nunca se filiou, ao longo de seu engajamento social, a qualquer partido político.

Os processos de Sidnei e Bira foram desmembrados, e tramitam separadamente, pois o segundo acusado recorreu da decisão de pronúncia (que encerra a primeira fase do procedimento do júri e conduz o acusado a julgamento pelo tribunal popular), em recurso que deverá levar considerável tempo para ser apreciado, enquanto o primeiro optou por submeter-se ao plenário do júri, sendo condenado à pena de 22 anos de reclusão em regime inicialmente fechado, em decisão que inclusive já foi objeto de recurso.

Por fim, em meio a tanta dor e a tanto sofrimento, a condenação de Sidnei Miranda significa um alento não só para os familiares de Laurindo Gomes, mas sobretudo para a Comunidade Quilombola de Praia Grande, que lotou o plenário do júri num silencioso grito por justiça.

Eldorado/SP, 18 de junho de 2013.

Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira – EAACONE

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