Nome: Associação dos Remanescentes de Quilombo do Bairro de Poça.

Fundada em: 06 de setembro 2005.

 

Publicação RTC: D.O. E – Diário Oficial do Estado; Poder Executivo, Seção I, São Paulo, 118 (88), quarta-feira, 14 de maio de 2008 – 11 – 12.

 

RTC - Relatório Técnico Científico de identificação étnica e territorial dos remanescentes de Quilombo feito pela antropóloga Maria Celina Pereira de Carvalho e equipe técnica da Assessoria de Quilombos do ITESP - Instituto de Terras do Estado de São Paulo.

Memorial Descritivo: Perímetro 6º e 13º Jacupiranga

                                     Município Eldorado e Jacupiranga

                                     Gleba: Quilombo Poça

                                     Área: 1.126,1395 ha.

 

Reconhecimento pela FCP – Fundação Cultural Palmares: em 01 de março de 2007.

HISTÓRIA DO QUILOMBO POÇA

O bairro Poça localiza-se na margem direita do Ribeira, abrangendo áreas dos municípios de Jacupiranga e Eldorado. Chega-se lá pela SP 193, sendo que desde Jacupiranga são proximadamente18 quilômetros quilômetros até chegar na estrada de Itapeúna, uma via não asfaltada que liga a pista de asfalto até o bairro de Itapeúna. Nesta estrada de terra, atravessamos cerca de 1,5 quilômetros pelo bairro Lageado até chegar na Poça. A Poça situa-se, aproximadamente, entre as coordenadas UTM 788.000, 7278.000; 794.000, 7278.000; 794.000, 7272.000; 788.000, 7272.000, conforme mapa anexo.

Como vimos, nos bairros negros da área, encontramos histórias de ancestrais fundadores. No entanto, mais do que a veracidade dessas narrativas, o que nos interessa é o fato de que elas designam a origem do grupo e que legitimam sua condição presente, tendo assim um papel análogo ao de um mito de origem. Na Poça, moradores atuais fazem referências a um antepassado fundador chamado Joaquim da Costa Campos, procedente de um dos grupos negros mais antigos da região, Ivaporunduva, localizado ribeira acima. Os diversos filhos de Joaquim e de sua mulher, Rita, uniram-se a moradores já estabelecidos no local e procedentes dos bairros do entorno. Moradores mais velhos mencionam Belisário de Campos e Joaquim Salvador de Campos como sendo filhos do de Joaquim da Costa Campos. O pertencimento da Poça a uma extensa rede de parentesco e vizinhança formada por inúmeros bairros negros pode ser percebido pela presença de sobrenomes de famílias de diversas comunidades localizadas ribeira acima:Costa, Pupo, Vieira, França, Marinho. Os Pupo, os Costa e os Marinho podem ser localizados em Ivaporundura já nas duas primeiras décadas do século XIX, conforme podemos ver no livro de assentos de batismo. Os Vieira estão ligados à fundação de Nhunguara e André Lopes. Já os França estão ligados à fundação dos bairros Galvão e São Pedro. O sobrenome Rosa, presente na Poça há várias gerações, aparece indiretamente no memoriais descritivos de terras, quando, em 1856, um homem chamado João Antonio de França indica a presença de um agregado “nascido nas ditas terras”:

João Antonio de França possue uma sorte de terras na paragem denominada sítio rio da Poça, tendo um agregado nascido nas ditas terras chamado José Rodrigues da Rosa, que faz divisa na serra dos meninos com terras de Manuel de Andrade Rezende e Miguel Antonio Jorge, e de outra banda com terras de Salvador Luis de Castro. Xiririca, 21 de janeiro de 1856. João Antonio de França. O vigário Joaquim Gabriel da Silva Castro.

O livro de assentos de batismos mostra o mesmo José Rodrigues da Rosa, unido a Joaquina Nóbrega, batizando uma filha de nome Jacintha em 1844, sendo que os padrinhos foram João Antonio de França – o mesmo que, mais de 10 anos depois, declararia possuir terras e ter José Rodrigues da Rosa como agregado – e Damiana de Freitas. Um morador atual da Poça, José Pupo da Rosa, nos diz que seu bisavô, Sebastião Rosa morava na Poça. Um dos filhos de Sebastião, João Rosa, casou-se com uma das netas de Joaquim da Costa Campos, Maria Brasilícia.

Não encontramos referências ao fundador Joaquim da Costa Campos nos memoriais descritivos de terras de 1856. Para Stucchi, a existência de lacunas nos memoriais descritivos de terras de Xiririca nos leva a pensar na existência de “umapopulação posicionada à margem da ordem social”:

Uma fração dessa população não obteve registro das terras ocupadas em decorrência das restrições próprias do instrumento, expressando as dificuldades de legitimação da posse da terraimpostas às camadas mais pobres da população. Outra fração da população predominantemente negra não se faria registrar por força da necessidade de manter-se oculta aos olhos da polícia local.

O acesso e uso da terra por pretos livres, ainda que em locais ermos, era baseado em política de aliança entre os ocupantes mais recentes e aqueles que os precederam. A legitimação da posse da terra dos negros libertos indica o outro lado de uma aliança unindo múltiplos interesses, na medida em que terras oficialmente registradas eram menos suscetíveis à fiscalização, protegendo uma ocupação caracterizada também por negros em situação de fuga (Stucchi et alli, 2000, p. 79).

Uma referência documental a Joaquim da Costa Campos está na certidão de nascimento de uma de suas netas, Domingas, na qual ele é apontado como avô paterno, sendo que a avó paterna é Rita C. de Campos. Os pais de Domingas são Belizário da Costa Campos e Maria Campos da Conceição, conforme podemos ver na cópia do documento apresentada em anexo. No livro de assentos de batismo do século XIX encontramos dois dos filhos de Joaquim da Costa Campos, Belisário da Costa Campos e Joaquim Salvador de Campos, os quais aparecem diversas vezes batizando filhos.

O casal Joaquim Salvador de Campos e Custodia Archangela de Moraes aparece 6 vezes batizando filhos, entre os anos de 1871 e 1892: em 12 de fevereiro de 1871, batizam a filha Gertrudes, nascida em 15 de novembro de 1870; em 16 de março de 1873 batizam a filha Josefa, nascida em 9 de dezembro de 1872; em 17 de maio de 1875, batizam o filho Domingos, nascido em 14 de fevereiro de 1875; em 1o de julho de 1888, batizam o filho Joaquim, nascido em 1º de junho de 1887; em 26 de agosto de 1889, batizam o filho Guilherme, nascido em 25 de junho de 1889; e em 16 de abril de 1892, batizam a filha Anna, nascida em 24 de novembro de 1891.

Belisário da Costa Campos aparece duas vezes, unido a Maria Pereira da Assumpção, batizando filhos: em 3 de abril de 1876 batizam a filha Maria, nascida em 10 de março de 1876, sendo que os padrinhos foram Joaquim Salvador de Campos e [Custódia] Archangela de Moraes. E em 20 de julho de 1891 batizam o filho Benedicto, nascido em 3 de abril de 1891.

Joaquim Salvador de Campos e Custódia também aparecem como padrinhos de Sebastiana, filha de Antonio Oliveira Marinho e de Gertrudes Maria de Jesus e também de Isabel, filha de Antonio Baptista dos Santos e de Anna Luciana da Rosa. É possível que Gertrudes seja a mesma filha do casal nascida em 1870. Sebastião Malaquias, um dos bisnetos de Joaquim Salvador de Campos, gentilmente cedeu-nos uma cópia da certidão de óbito de seu bisavô (apresentada em anexo), a qual mostra que o mesmo faleceu em 4 de janeiro de 1925 aos 80 anos. Ou seja, ele nasceu na Poça em 1845. Nesse documento ele aparece como Joaquim de Campos, casado com Custodia Archangela de Moraes.

A senhora Maria de Fátima conta que sua avó Domingas, filha de Belisário da Costa Campos, falava a respeito de um dos filhos do fundador Joaquim da Costa Campos que foi “sorteado” para lutar na Guerra do Paraguai e ficou escondido numa pequena gruta do lugar:

Eu não sei quando foi a Guerra do Paraguai, eu não sei em que ano, aí naquele tempo, ele foi sorteado. Naquele tempo era sorteado e ele não se apresentou, não foi. O policiamento vieram buscar ele. Essa é a história que meu pai contava e minha mãe também contava. Aí os pais viram que vinham vindo buscar, esconderam lá naquela pedreira, tem um salão. Aí ponharam uma escada, acho que dá uns 5 metros lá. Guardaram ele lá e lá levavam comida para ele. Aí naquele tempo já tinha zum zum zum, né: “Ah, fulano está escondido lá, os pais estão levando comida para ele lá no mato escondido”. Aí o policiamento foi com os cachorros, pegavam com cachorro naquele tempo. Aí ele se assustou quando chegaram, ele pulou e quebrou a coluna, e curaram em casa. (...) Isso que minha avó contava (Maria de Fátima da Silva, entrevista em outubro de 2006).

As referências a fugas de homens negros e solteiros recrutados para lutar na Guerra do Paraguai não são incomuns na região. Por exemplo, o bairro André Lopes, onde se localiza a Caverna do Diabo, conhecida localmente por Gruta da Tapagem, formou-se em função de moradores do bairro Nhunguara que se esconderam na área dessa caverna para escapar ao recrutamento. Como afirma Stucchi,Principalmente os homens solteiros, sem família e desprovidos de terras, os negros, mulatos e pardos, ainda que livres e libertos, estariam entre a massa de recrutáveis para o exército. Esse contingente compunha as fileiras do exército, representando este um espaço social subalterno, formado em sua imensa maioria por não proprietários, recrutados mais por castigo que por vocação, A caserna seria o destino dos considerados desocupados, desqualificados, malfeitores e, sobretudo, dos negros.

                                               (...)

O processo de povoamento de localidades habitadas principalmente por populações negras do Vale do Ribeira, como Nhunguara e André Lopes e Sapatu, também deve ser analisado à luz das fugas dos recrutamentos militares. Uma profusão de relatos sobre zonas de refúgio que acolheram inúmeras fugas está presente nas narrativas dos informantes (Stucchi et alli, 2000, p 90 e 91).

Fonte: RTC ITESP dezembro de 2006/atualizado outubro de 2007