Nome: Associação Quilombola São Miguel Arcanjo do Bairro Morro Seco.

Fundada em: 25 de agosto de 2002.

Reconhecimento pela FCP – Fundação Cultural Palmares: em 02 de março de 2005.

 

HISTÓRIA DO QUILOMDO MORRO SECO

Segundo pudemos apurar, a fundação da comunidade Morro Seco não obedece a critérios encontrados em outras comunidades de quilombos nas quais já trabalhamos. Nestas, via de regra, há um ancestral fundador, geralmente reconhecido como ex-escravo. Em Morro Seco, os informantes mais antigos – Sr. Bonifácio, de 77 anos e Sr. Armando, de 65 anos – não conseguem se remeter, em termos genealógicos, para além de seus avós paternos e maternos e não apresentam nenhuma história a respeito de como seus antepassados chegaram à área em que nasceram e vivem até agora.

De acordo com o ponto memorial mais longevo alcançado pela comunidade na construção de sua genealogia, o núcleo familiar mais antigo seria aquele formado por Joaquim Alves Sabino, sua esposa Maria Constância do Espírito Santo e seus oito filhos. Um outro núcleo familiar adjacente é aquele formado por Teobaldino Onório Pereira, sua esposa Rita Modesto Pereira e seus três filhos.

Grande parte dos moradores atuais da comunidade descende das uniões formadas pelos filhos desses dois casais-chave. A lembrança dos avós, para Sr. Bonifácio e Sr. Armando, nos remete vagamente à origem deles. Maria Constância do Espírito Santo teria ascendência portuguesa enquanto Joaquim Alves Sabino era negro. Em nossas pesquisas no Arquivo do Estado descobrimos, consultandoos Maços de População, que esse tipo de ligação familiar de homens negros ou pardos com mulheres brancas era bastante comum na região de Iguape, o que corrobora a memória dos nossos informantes.

Já Teobaldino Onório Pereira é descrito como “branco”, enquanto Rita Modesto Pereira era “uma negra bem escura, africana pura, pequenina com pés e orelhas muito grandes, que se casou bem de idade”. Nossos informantes acreditam que ela “provavelmente” foi escrava.

Existem pouquíssimas listagens populacionais referentes a Iguape no período em que acreditamos que Rita pudesse estar listada como escrava (1835- 1870, de acordo com nossas aproximações geracionais). Nas duas únicas listagens disponíveis, as do ano de 1836 e 1846, achamos diversas escravas de nome Rita com idades mais ou menos compatíveis à idade presumida da Rita que procurávamos, mas não é possível concluir pela correspondência exata entre uma dessas escravas e a Rita Modesto Pereira de Morro Seco.

Quando indagados sobre a ligação desses ancestrais com a escravidão, nossos informantes dizem que esse assunto nunca foi levantado pelos mais velhos a não ser como um “causo”, uma “falagem”, algo que tanto poderia ser verdade como pura ficção. Segundo relata o Sr. Bonifácio:

”Com referência ao caso de escravidão, quando meu pai falava de escravidão, para nós era como se ele tava contando uma história que diz que aconteceu. (...) [Rita, avó materna] ela contava muita história, mas para nós era como que... nós não guardava porque tava contando uma coisa que para nós era um negócio de passatempo... eu acho que uma história, quando a gente conta uma história e a gente tem uma certa noção a gente segura isso. Agora, quando é uma ‘falagem’ só - porque para nós era uma ‘falagem’ – nós não segura. A razão disto era que nós não tinha estudo para confirmar se isso era verdade. Por isso que para poder nós dar crédito, era preciso que os nosso pais contassem aquilo como um caso sério, mas eles não contavam como sério, era como passatempo. (...) Meu pai contava quantas e quantas histórias que nós tomamos aquilo como ‘coisa do pé da cinza’, como dizia antes”20.

Com efeito, embora não haja um ‘mito de origem’ da comunidade ligado à escravidão, é quase um truísmo valer-se de muitos procedimentos para tentar afirmar uma ascendência escrava para o grupo. Ora, a bem da verdade, é desnecessário afirmar que negros brasileiros cujos pais não aportaram nestas terras a passeio após 1889, são todos descendentes de negros cativos.

20 Um “causo” que teria sido contado a Seu Bonifácio pelos seus pais refere-se a um escravo que assassinou seus senhores. Tanto essa história poderia carregar um fundo de verdade que YOUNG (op.cit:364) transcreve uma sentença de morte proferida contra dois escravos que haviam assassinado a família inteira de seus senhores.